sexta-feira, 25 de maio de 2012

Pode auxiliar na prova


Ismar Soares define o conceito de Educomunicação

Em entrevista ao site Wikiducação o professor da USP, Ismar Soares, define o conceito de Educomunicação e suas possibilidades.
Ismar de Oliveira Soares é jornalista, professor, educomunicador, com pós-doutorado pela Marquette University Milaukee Wisconsin. É citado por muitos estudiosos como o primeiro a usar o termo educomunicação no Brasil. Atualmente é coordenador do Núcleo de Comunicação e Educação da Universidade de São Paulo, professor titular da Universidade de São Paulo e vice-presidente do World Council for Media Education, com sede em Madrid, Espanha.
Educast: E nós voltamos com a entrevista do professor Ismar de Oliveira Soares, jornalista, professor e educomunicador. Professor da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, coordena o Núcleo deComunicação e Educação e é professor titular da USP e vice-presidente do World Council for Media Education, com sede em Madrid, na Espanha. Com ele que eu converso agora. Olá, Ismar, tudo bom?
Ismar de Oliveira Soares: Tudo bom, Maurício. É um prazer conversar com você e os internautas.
Educast: Eu queria que você explorasse, antes de mais nada, qual é o conceito de educomunicação.
Ismar de Oliveira Soares: Quando a gente fala em educomunicação, palavra um pouco longa, a pessoa estranha e pergunta o porquê, se toda educação deveria ser comunicação. Na verdade, o conceito é um pouco antigo, já tem uns 15 anos, quando era usado para identificar uma área chamada Educação para a Comunicação, isto é, a educação para a formação do chamado senso crítico frente à midia, especialmente frente à televisão. Produzia, portanto, uma preocupação que agora está latente com a discussão em torno da classificação indicativa. Então, por um tempo, o conceito educomunicação significou educação para a mídia. No entanto, as pesquisas do Núcleo de Comunicação e Educação da USP apontaram a existência de uma nova realidade, que é representada pelas Organizações Não-Governamentais (ONGs), que desde os anos 70 vinham usando a comunicação de forma alternativa. Não no sentido de atender uma demanda do mercado, porém, para colocar temas em debates de problemas sociais. Muitas pessoas em todo mundo, especialmente na América Latina e África, ao desenvolverem esses usos alternativos de comunicação, estavam interferindo tanto na educação,como na comunicação. Eram até um pouco rejeitados pelos dois lados. Tanto a educação estranhava, que dizia: Bom, isso aí é educação popular, não é educação formal, não é também escola. No entanto, a comunicação dizia: Isso aí é coisa de gente que gosta de pobre, que gosta de temas que não são os temas do mercado, do entretenimento. No entanto, especialmente a partir do "Betinho", do Herbert de Souza, que começou a usar essa comunicação para grandes finalidades de cidadania, essa prática ganhou legitimidade. Nós detectamos através de uma pesquisa feita em 99 que na América Latina inteira existiam pessoas que estavam envolvidas nesse processo, que já estava legitimado e que já estava se aproximando da própria mídia. Já existiam meios de comunicação muito preocupados com a educação, especialmente na área do meio ambiente. Esse conjunto de atividades voltado para o conhecimento do uso desses meios numa perspectiva de prática da cidadania damos o nome de educomunicação.
Educast: O Núcleo de Comunicação e Educação da USP vem fazendo uma série de trabalhos dentro desse conceito. Eu queria que você falasse qual é o papel do Núcleo e um pouco desses trabalhos, principalmente o projeto Educom.rádio.
Ismar de Oliveira Soares: O Núcleo nasce para pesquisar. A pesquisa principal que fizemos foi identificar qual o universo de pensamento das pessoas que atuam na interface comunicação-educação. E nós descobrimos a existência de uma via que era olhar a comunicação a partir dessa prática que o movimento social estava implementando nos últimos anos. O que estamos fazendo dentro da universidade é um trabalho de extensão cultural, levando esse debate para a sociedade e depois examinando os resultados dessas formações que estamos oferecendo. Nos últimos sete anos, nós formamos ao redor de 20 mil pessoas, em cursos a distância e presenciais, desenvolvendo redes de ensino e mensurando meios de comunicação. Nesse momento, estamos assessorando o Jornal da Tarde para o desenvolvimento de uma prática educomunicativa. Essa prática significa acompanhar as ações de educação a partir da vertente jornalística. Aos domingos, uma página inteira é dedicada a experimentar tática de um conceito, de uma área da atividade, na perspectiva educomunicativa. No caso do Jornal da Tarde ou no caso do Canal Futura, nós vamos perceber que não é exatamente uma escola, mas são órgãos da mídia que estão se voltando para esta prática de diálogo com a sociedade de uma forma diferenciada. Nosso propósito é efetivar, conhecer, pesquisar e transferir conhecimento de um lado para o outro. Daí, nossos congressos. Esse ano, já realizamos dois, um em São José dos Campos, outro em São Paulo, sobre educomunicação, convidando pessoas de diferentes áreas para intercâmbio de experiências. No caso do Educom.rádio de São Paulo, a extensão que fizemos foi levar a linguagem radiofônica para 455 escolas do município. O projeto ocorreu entre 2001 e 2004 e tem continuidade hoje. Isso significou para nós um exercício de trabalho em rede. Não é trabalhar com 10, 15, 20 pessoas, mas trabalhar com 12 mil pessoas, discutindo com elas as práticas educomunicativas e levando o uso do rádio como solução para o problema da escola, especialmente problemas relacionados a conflitos, a violência e a própria didática. Chegamos, a partir de São Paulo, a convite do Ministério da Educação, a trabalhar também escolas do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, aldeias indígenas, projetos quilombolas. Tivemos o mesmo efeito. À medida que as pessoas se apoderam dessa linguagem, elas ganham mais confiança e passam a discutir a comunicação no seu âmbito, desenvolvendo aquilo que nós chamamos de ecossistema comunicativo.
Educast: Qual é a receptividade dos educadores com relação a esse conceito de educomunicação ecomo eles se comportam no desenvolvimento de projetos dentro da escola?
Ismar de Oliveira Soares: A escola tem ainda certa desconfiança. Estão invadindo a nossa praia! O medo de que algo novo venha perturbar a ordem estabelecida ou trazer novos atores ao processo educativo. Nós não trabalhamos somente com educadores. Quando nos convidam, nós sempre pedimos que crianças e adolescentes estejam juntos. Quando isso acontece e o professor experimenta, vê, os próprios alunos o quanto passam a aderir, eles também começam a achar interessante essa idéia. Temos aí uma passagem da desconfiança para o envolvimento. Isso não é natural no processo educativo, porque a educação ensina que comunicação escolar é feita expressamente a partir da escrita, do livro didático ou da palavra do professor. O audiovisual, por exemplo, e agora, a informática são tidos pela educação comcomplemento, algo que vem ajudar se o professor achar interessante. O próprio Governo Federal quando criou a TV Escola, as avaliações foram negativas no sentido de que o sistema de educação brasileiro não absorveu. Depois de passados mais de dez anos, esse canal ainda está lutando para se firmar como alternativa no trabalho dos educadores.
Educast: Você acredita que esse distanciamento, principalmente das novas tecnologias, das novas mídias, seja a principal causa dessa eventual resistência que existe do educador em se aproximar?
Ismar de Oliveira Soares: Não, na verdade a resistência está em outro patamar. O estranhamento da educação não é exatamente a tecnologia, mas a maneira como a educomunicação pretende usar essas tecnologias. O instrutor educomunicativo chega para analisar os processos de comunicação num ambiente escolar. A pergunta da educomunicação não é como usar melhor o rádio, ou o jornal, ou a internet. Mas como utilizar esses recursos para melhorar as relações de comunicação. Como usar estratégia para a produção midiática. A educomunicação traz uma pedagogia nova que irá dialogarcom as tecnologias tradicionais. As organizações, principalmente as ONGs, têm trazido uma contribuição muito grande para pequenos grupos de crianças e adolescentes especialmente no uso da mídia. E a pergunta é por que apenas 5, 10 mil crianças têm esse direito, e milhões não têm. Quando uma rede de ensino adota a educomunicação, ela está ampliando um direito que poucas crianças têm tido através das ações das ONGs.
Educast: Dá para medir qual é o impacto que a educomunicação tem no aprendizado dos alunos e você poderia citar algum caso já vivido que seja um destaque na sua opinião?
Ismar de Oliveira Soares: Eu citaria uma fundação em São José dos Campos, chamada Fundhas, que é a Fundação Hélio Augusto de Souza, mantida pela prefeitura e cujo objetivo é atender crianças no horário alternativo de classe. São 8 mil crianças e adolescentes. A Fundhas decidiu incorporar há três anos o conceito de educomunicação e os diretores da instituição têm afirmado que houve uma reviravolta na própria prática educativa da instituição. Em cada uma das 21 unidades da Fundhas, as crianças podem produzir rádio, jornal, blogs na internet, e assim por diante, sempre a partir de um trabalho coletivo professor-aluno. As crianças que freqüentam essa instituição, suas famílias têm uma renda de salário mínimo e moram nas periferias de São José dos Campos e seus distritos. Em São Paulo, temos muitas escolas no município que desde 2001 vêm mantendo uma prática educomunicativa, poderia citar, por exemplo, a Carlos Pasquale, na zona leste. Lá, as crianças ensinam outras crianças a usar o rádio, não só usado no pátio, mas também para a elaboração de trabalhos escolares, para recuperação da memória do bairro e para intercâmbio dessa escola com outras escolas. Mas um exemplo mais típico ainda é no Mato Grosso, em Sangradouro, município onde tem aldeias Xavantes. Quando chegamos com o projeto em 2005, os jovens começaram a participar. Porém a aldeia tem uma norma de que as mulheres não podem falar na presença de homens. Educação dos meninos e das meninas é feita de forma separada. Lá, as meninas começaram a usar o rádio antes dos meninos. A rádio existente na aldeia estava com a voz feminina no ar e o cacique demorou uma semana para descobrir que as mulheres estavam falando para todos, e os meninos não. No caso, o cacique pediu para que as meninas deixassem de usar o rádio e elas disseram que não podiam fazer isso, porque o cacique maior, no caso o Governo Federal, foi quem havia levado o projeto para lá. O cacique teve então que mobilizar os rapazes para que eles também participassem do processo. Finalmente, depois de um ano de trabalho, meninos e meninas, trabalhando cada um a seu modo na produção do rádio, passaram a discutir a respeito da escola. Existe uma lei segundo a qual, quando um índio consegue atingir o terceiro grau, se houver qualquer ocupação na aldeia ou na área referente a quem possui o terceiro grau, o índio tem que assumir. A pergunta era por que o diretor da escola não era índio? A escola era dos padres salesianos. O Governo reconheceu o direito dos índios e quem assumiu a direção da escola foi um professor indígena. Os salesianos, dos quais sou amigo, eles reclamaram porque foi justamente a rádio que fez essa revolução na aldeia Xavantes. Isso quer dizer que tanto na cidade de São Paulo, ou em São José dos Campos, ou na aldeia indígena, a educomunicação promove realmente mudanças.
Educast: Qual a dica para esses educadores se transformarem em educomunicadores? Qual o primeiro passo que ele deveria dar?
Ismar de Oliveira Soares: O primeiro passo é muito simples. A pessoa se olhar e ver qual o seu perfilcomunicativo. Como eu sou enquanto comunicador, que se expressa, que se relaciona? Quanto eu uso de rádio, de televisão, de jornal? A partir desse olhar, o educador poderia começar a se interessar por algum tipo de leitura a respeito da relação comunicação e educação. No nosso site que é o www.usp.br/nce vai encontrar uma série de textos refletindo essas experiências. No caso do professor do município de São Paulo, solicitar à Secretaria de Educação reforço em termos de capacitação e formação para que ele tenha acesso às experiências em andamento. No caso da USP, foi aprovada recentemente a criação de uma licenciatura em educomunicação, que será implantada daqui um ou dois anos. Através do Núcleo, nós atendemos solicitações de prefeituras, de secretarias da educação, do estado e assim por diante, para organizar processo de formação, que nada mais é que a socialização das experiências em andamento. Eu sou otimista em dizer que cada professor tem uma vocação para comunicação, caso contrário ele não seria educador. O que restringe o professor é uma didática muito amarrada e não permite que ele vá além daquilo que já foi estabelecido pela didática há muitos anos. É preciso experimentar novos trabalhos. No caso do Jornal da Tarde, o que estamos tentando demonstrar aos domingos, é como dentro do espaço de uma aula você pode ter uma ação educomunicativa. Já publicamos 54 aulas que estão disponíveis no site da Nova Escola e no site do Núcleo.
Educast: Como você vê a educomunicação contribuindo com a melhoria da educação nos próximos anos?
Ismar de Oliveira Soares: Não haverá melhoria na educação nos próximos anos se o sistema educativo não se preocupar com o universo da comunicação. Sabendo que na comunicação, os educadores terão sempre aliados. Acredito que é justamente essa tônica da sociedade contemporânea doscomunicadores colocarem à disposição dos educadores para colaborar, isso está trazendo e trará benefícios muitos grandes. A questão que se coloca é a disposição ou não do sistema escolar de dialogar com o apoio de especialistas da área comunicativa e de se apropriar fazendo resistência o sistema educativo. Porém nós estamos observando que essa resistência está cedendo. É muito interessante hoje o fato de que a qualidade do ensino a partir da comunicação não depende do envolvimento da escola com classe social, dinheiro ou poder econômico. Uma escola muito pobre em termos de recursos, pode ser muito rica em termos de educomunicação. Por outro lado, as tecnologias estão ficando cada vez mais baratas e acessíveis. Vemos na periferia, por exemplo, o quanto as Lan Houses são freqüentadas por jovens que moram em favelas e, no entanto já são alfabetizados na internet. Nossa perspectiva não é da tecnologia educativa, é de apoderamento dacomunidade. A comunidade é que se apodera dos recursos da comunicação, não só o especialista ou o professor. Ao formarmos um educomunicador não é para que ele seja o dono da chave, mas para que ele seja um animador para que professores e alunos se tornem eles próprios educomunicadores. Essa discussão, tive através de uma teleconferência com o México que discutia a relaçãocomunicação e educação. Eles se interessaram em saber o que o Brasil pensa. Estamos percebendo que em todo o continente está havendo uma mobilização em torno do apoderamento das novas tecnologias.
Educast: Muito bom. Eu conversei com o professor e educomunicador, Ismar de Oliveira Soares, da Universidade de São Paulo. Ismar, gostaria muito de agradecer a sua presença e espero revê-lo aqui em breve para que nós possamos aprofundar nossos conhecimentos sobre educomunicação. Muito obrigado!
Natália e Bárbara

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